O historiador José Amílcar Bertolini (56), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) encontrou um filme inédito do diretor brasileiro Nelson Pereira dos Santos, conhecido pelo clássico “Vidas Secas”, de 1963. O filme, nomeado como “Cidade Laboratório Humboldt”, esta em rolo de 16mm, em estado de deterioração quase total.
A obra é um curta-metragem e estava em Cuiabá. Foi no ano de 1973 em uma parceria da UFMT com a Regina Filmes, produtora de boa parte das obras de Nelson Pereira. O pesquisador acredita que a cópia encontrada seja a única existente.
Bertolini conta que encontrou o filme enquanto pesquisava sobre o projeto Cidade Científica de Humboldt, no qual seu doutorado era baseada. Esse projeto foi instalado em Aripuanã, cidade a 484 km de Sinop, com a ideia do projeto era criar um centro de pesquisas que realizasse estudos sobre a região e orientasse o desenvolvimento social e econômico do Estado, mas sem causar impactos sobre o ambiente.
A Cidade Científica de Humboldt começou a ser implantada em 1973, ano em que o filme de Nelson Pereira foi feito. Ela era ligada à UFMT e recebeu muito apoio. Mas, em 1975 o projeto, “começou a ser enterrado”.
Em entrevista ao site Olhar Conceito, o pesquisador disse:
Numa dessas pesquisas de jornal foi que, praticamente numa nota de rodapé, há aproximadamente dois anos, eu li que naquele período um filme havia sido realizado. Um filme de 16mm, sonoro e colorido.
Depois disso, o historiador procurou mais sobre o filme na Cinemateca Brasileira, e encontrou sua ficha técnica. Ali, teve mais uma grata surpresa: o filme havia sido produzido pela UFMT, mas dirigido por Nelson Pereira dos Santos, um dos maiores cineastas do Brasil.

Porém, apesar de ter a ficha técnica em seu acervo, a Cinemateca não tinha o filme em si. Nem mesmo a produtora Regina Filmes, que é da família de Nelson, tinha ou sabia da existência de uma cópia. Foi só em abril de 2018, mesmo mês da morte de Nelson, que, em uma conversa com o ex-reitor da UFMT, Gabriel Novis Neves, Amílcar descobriu que o rolo estava em Cuiabá.
Segundo Gabriel, esse filme foi projetado apenas uma vez, pra seis pessoas dentro da universidade, e como foi exatamente no período em que o projeto encerrou-se, foi pulverizado – uma parte pro Pará, outra pro Amazonas – esse filme ficou na UFMT, enquanto produtora. Só que ele acabou entregando pra outra pessoa, pra essa pessoa cuidar.

Amílcar conseguiu chegar até esta pessoa, assinou um termo e pegou o filme. Como estava com pressa, foi direto para o Rio de Janeiro.
Era uma lata de filme de 35mm e dentro um rolo de 16mm. Mas até ai tudo bem, porque você supõe que a pessoa responsável por isso havia guardado de acordo com as técnicas recomendadas. Quando eu abri a lata… eu até arrepio, porque pra gente que trabalha com documento, você se deparar com aquele tipo de mau uso, de mau trato, de falta de consideração, de desrespeito com a memória, com a cultura, com a história… é abominável.
Apesar do susto, o pesquisador ainda tinha esperanças de fazer a recuperação da obra, pois lembrou-se que, quando trabalhou no Cineclube Coxiponés, esse trabalho era feito frequentemente pela mesma Cinemateca que guardava a ficha técnica do curta de Nelson.
Entrei em contato com a Cinemateca Brasileira, e eles disseram que não estavam fazendo esse tipo de trabalho no momento porque o laboratório fisioquímico estava fechado. Entrei em contato com a Regina Filmes, a Regina Filmes não manifestou interesse em saber qual é o estado, nem falou se tinha cópia. Entrei em contato com a Cinemateca na Alemanha, na França, Portugal e Inglaterra. Ninguém se disponibilizou a fazer o trabalho. Procurei, inclusive, técnicos, mas eu definitivamente cansei. Falei, bom, eu não posso mais usar meu CPF. Ele não é suficiente pra um trabalho dessa natureza.
Em uma dessas conversas com um técnico, o historiador ouviu uma resposta dura:
Amílcar, eu sinto muito, mas se salvar alguma coisa aí não chega a 15%. e mesmo assim os fotogramas devem estar bastante prejudicados. Som? Nem imaginar, já foi pro laço.
E caso esse processo todo fosse feito, ainda, ele seria caríssimo. Por esse motivo, a pesquisa do historiador enveredou-se por outros meios, e o filme foi devolvido para a UFMT. Agora, sua esperança é que alguém tenha uma cópia em melhor estado ou a matriz, não para que possa concluir seu doutorado – que já está em via de terminar – mas por respeito à memória do cineasta e do projeto.
Esse é mais um documento importantíssimo, porém o que me deixou bastante triste foi exatamente o fato desse descaso descomunal com um documento, com a memória de um período extremamente importante pra história do Brasil, pra história de Mato Grosso, pra história da Universidade Federal. Se não houver outra cópia, e se ninguém localizar a matriz – se é que existe – perdeu-se. Eu nunca ouvi ninguém comentar sobre esse material. Ele foi guardado, foi esquecido, e esquecido ficou. Então por mais que a gente não consiga projetá-lo pra ver o que contém, eu creio que ele merece o respeito de ser reconhecido enquanto produto, enquanto documento, e a sociedade tem o direito de saber que isso foi feito, e também, quem sabe, vai que aparece alguém que tem uma cópia ou sabe onde está a matriz? O fato é a necessidade de dar luz a esse documento que ficou guardado tanto tempo no escuro, de uma forma mal condicionada.
- Com informações do Olhar Conceito

























